Cloroquina faz mal aos olhos?

No início da Pandemia da COVID-19 muito se falou a respeito de uma possível droga que acabaria com a doença: a cloroquina. Embora saibamos que a cloroquina não possui nenhuma eficácia para a COVID-19, comprovado por diversos estudos científicos, ela e a hidroxicloroquina são medicamentos muito utilizados no tratamento de diversas doenças como: malária,  lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, porfiria cutânea tardia, giardíase e hepatite amebiana.

A grande discussão pelo uso desenfreado da medicação sem eficácia comprovada se deve não somente à falta do remédio para doenças em que a cloroquina/hidroxicloroquina são efetivas, mas também pelos possíveis efeitos colaterais das drogas, incluindo os nossos olhos.

Como funciona a Cloroquina e seus efeitos

Esses fármacos são drogas melanotrópicas (afinidade pela melanina) e que por isso se concentram nas estruturas oculares que contém melanina (epitélio pigmentar da retina, coróide e íris), sendo eliminadas do corpo muito lentamente. 

O uso contínuo desses medicamentos pode, ao longo do tempo, causar uma doença na região central da visão, a mácula, por depósito desses fármacos no local. 

Apesar do diagnóstico ser essencialmente clínico por meio do exame do fundo de olho, atualmente disponibilizamos de uma gama de exames complementares que nos ajudam no diagnóstico cada vez mais precoce desta entidade, como a tomografia de coerência óptica (OCT). Além do OCT, outros exames são de fundamental importância no diagnóstico precoce e no prognóstico como a autofluorescência de fundo (FAF) e a campimetria visual computadorizada (CVC) do tipo 10:2.

Fundo de olho apresentando maculopatia em olho de boi em ambos os olhos.

 

Autofluorescência com a presença de hipoautofluorescência em formato semicircular em região macular de ambos os olhos

 

Campo visual com presença de escotoma semicircular paracentral em ambos os olhos.

 

OCT de olho direito com alteração do perfil foveal, apresentando o sinal do disco voador, em que há perda da junção interna com a externa dos fotorreceptores (IS/OS) em região perifoveal com afinamento da retina externa nesta região. Abaixo do centro da fóvea a retina externa permanece intacta, dando uma aparência ovóide.

 

OCT de olho esquerdo apresentando as mesmas alterações citadas em olho direito

 

Angiografia fluoresceínica de ambos os olhos com presença de hiperfluorescência em anel, representando um defeito em janela circular, que corresponde a lesão em olho de boi.

 

Dúvidas frequentes sobre Cloroquina

1) Existe uma dosagem segura? 

A retinotoxicidade por estes medicamentos está relacionada à dose cumulativa total. No caso da cloroquina, o risco de toxicidade aumenta com uma dose diária maior que 3mg/kg. Já a hidroxicloroquina é muito mais segura do que a cloroquina, e se a dose diária não ultrapassar 400mg, o risco é desprezível. O risco de toxicidade com a hidroxicloroquina aumenta com uma dose diária maior que 6,5mg/kg por um período maior que 5 anos. A recomendação da dose máxima diária para hidroxicloroquina é ≤ 5,0mg/kg de peso real e para cloroquina é ≤2,3mg/kg de peso real. Com estas doses recomendadas, o risco de toxicidade em 5 anos é abaixo de 1% e em 10 anos é abaixo de 2%, porém o risco aumenta para quase 20% depois de 20 anos.

2) Como é a evolução da doença?

O acometimento macular ocasionado pelo uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina pode ser dividido em estágios. O primeiro é chamado de pré maculopatia, em que a acuidade visual ainda está preservada, podendo haver um escotoma entre 4 e 9 graus em relação a fixação. Neste estágio, se houver a interrupção do uso desses medicamentos, a função visual retorna ao normal.

No segundo estágio, denominado maculopatia inicial, ocorre uma pequena diminuição da acuidade visual (20/30 até 20/40), com a presença de lesão macular tipo olho de boi. Este estágio pode progredir mesmo com a interrupção do medicamento. 

O terceiro estágio é chamado de maculopatia moderada, em que há diminuição da acuidade visual de forma moderada (20/60 até 20/80).

 O quarto estágio representa uma maculopatia severa, com redução da acuidade visual de forma acentuada (20/120 até 20/200). 

O quinto e último é chamado de maculopatia em estágio final e apresenta diminuição da acuidade visual de forma severa, com atrofia acentuada do epitélio pigmentar da retina, exposição de vasos da coróide, atenuação arteriolar e agregação de pigmento na periferia da retina.

3) Quais são os sintomas mais comuns? 

Escotoma central e paracentral, nictalopia, discromatopsia, fotofobia, fotopsia, constrição do campo visual e baixa acuidade visual. 

4) Vou iniciar a medicação, preciso fazer exames?

Sim! Uma avaliação completa oftalmológica deve ser feita antes do início do uso. O exame completo engloba: acuidade visual, tonometria, biomicroscopia, fundoscopia, retinografia, autofluorescência de fundo, campo visual computadorizado 10:2 e o OCT. Com isso, temos um padrão inicial do paciente e qualquer alteração precoce diagnosticada pelo oftalmologista deve ser comunicada ao médico que iniciou o tratamento (normalmente o reumatologista) para avaliar a suspensão ou troca da medicação.

5) Existe chance de não poder começar a medicação caso haja alteração no exame inicial? 

Sim! Pacientes com doenças maculares prévias, como degeneração macular relacionada à idade, devem ter o uso da medicação discutido entre oftalmologista e reumatologista, de preferência trocando a medicação mas levando em consideração a situação clínica geral do paciente.

6) Quais são os fatores de risco para desenvolver a doença? 

Os fatores de risco para toxicidade são: dose maior que 6,5mg/kg/dia de hidroxicloroquina e maior que 3mg/kg/dia de cloroquina (sendo este o principal fator de risco), doença hepática, doença renal, idade superior a 60 anos, uso por mais de 5 anos, uso de tamoxifeno e distrofia ou degeneração macular prévia. Em pacientes com insuficiência renal é necessário administrar doses mais baixas.

7) Como é feito o acompanhamento? 

Fazer um exame oftalmológico completo antes do uso da medicação ou dentro do 1º ano de uso, como base de referência e para excluir maculopatia pré-existente. 

Repetir o exame anualmente, depois de 5 anos de uso da medicação em pacientes com doses aceitáveis e sem fatores de risco. Se tiver algum fator de risco, o exame deve ser realizado anualmente e deve ser considerado, inclusive fazer mais do que uma vez ao ano..

8) Existe tratamento? 

Não! Caso haja acometimento, o ideal é a suspensão imediata da medicação. O que foi acometido não volta ao normal, mas a suspensão impede que a doença progrida no longo prazo (ela ainda pode progredir um pouco nos primeiros meses após a suspensão do remédio).

 

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